Sexsônia: quando o ato sexual acontece durante o sono
O primeiro relato na literatura médica sobre Sexsônia foi publicado em 1986 no Singapore Medical Journal, referente a um homem casado que se masturbava dormindo todas as noites - mesmo quando ele tinha relações sexuais completas antes de dormir. O paciente não lembrava dessas situações e sua esposa sentia-se desconfortável por não conseguir satisfazer plenamente o marido. O casal não percebeu que se tratava de um transtorno de sono fisiológico que não tinha nada a ver com o relacionamento.

Segundo a Classificação Internacional de Distúrbio de Sono, a sexsônia é um Transtorno de Despertar do Sono não REM, e os episódios costumam ser muito breves de poucos minutos, existindo casos de duração mais prolongada entre 30 e 40 minutos. As características desse problema são: masturbação (com e sem clímax); carícias sexuais/preliminares; tentativa/relação sexual bem-sucedida e “conversa de sono” - incluindo diálogo muito indecente. Além disso, comportamentos sexuais agressivos e violentos, resultando em cená- rios de estupro. A prevalência desse distúrbio, incomum e pouco estudado, ainda é desconhecida, mas sabe-se que 80% dos casos relatados envolvem homens

O psiquiatra Dr. Carlos Schenck, pesquisador em Medicina do Sono do Centro Regional de Distúrbios do Sono de Minnesota, um dos maiores especialistas em sexsônia, estuda as parassonias há 35 anos, e sua primeira publicação sobre os complexos comportamentos anormais entre o sexo e o sono aconteceu em 2007, em que 31 casos foram revisados e divulgados no journal Sleep, pela Academia Americana de Medicina do Sono - “Sleep and Sex: What Can Go Wrong”.

“É importante perceber que as parassonias envolvem a liberação inapropriada de instintos primitivos durante o sono: sexo, alimentação, agressão, locomoção. A sexsônia é uma desordem identificada por meio da queixa do parceiro, geralmente, esposa ou namorada, seja pela frequência dos episódios, perturbação do sono, tentativas de sexo mais vigoroso ou violento, relação sexual mecânica, etc. Em quase todos os casos relatados, a pessoa com esse transtorno é completamente amnésica e, portanto, pode não acreditar na companheira, e assim não concorda em buscar avaliação médica e tratamento”, destaca Dr. Schenck.

O médico explica que a sexsônia pode atingir homens e mulheres, incluindo os grupos etários mais velhos entre 60 e 70 anos, sendo que afeta com mais frequência os jovens adultos do sexo masculino. “Esta é uma questão fascinante! Talvez, as mulheres apresentem o problema tanto quanto os homens, a diferença é que eles não reclamam quase tanto quanto as mulheres. E quais são os motivos desse fenômeno? Mais uma vez, muitos fatores potenciais. Pode ser que os homens sejam mais vigorosos e violentos em comparação às mulheres que são mais gentis. E possivelmente, os homens sejam mais tolerantes. Fatores culturais, religiosos e pessoais podem entrar em jogo aqui. Nas minhas palestras, muitas vezes incentivo o desenvolvimento do campo de ‘A Sociologia do sono’ e Sexsônia, que seria o tema principal para este tipo de estudo. A interseção de costumes sociais e as relações interpessoais de gênero com o campo da Medicina do sono”, alerta.

De acordo com a neuropsicóloga Dra. Katie Almondes, Coordenadora do Departamento de Neurociências e Comportamento da ABS, o consumo de drogas e/ou álcool, o estresse, a fadiga excessiva e a privação de sono estão entre os fatores associados à sexsônia. “Pessoas que passaram por abusos na infância também são as que mais apresentam esse distúrbio, e ao terem consciência do diagnóstico, referem sentimentos ruins durante o descanso noturno, como medo em adormecer e depressão. Há ainda casos relatados na literatura de indivíduos que foram acusados legalmente de abuso sexual, já que ‘atacaram’ sexualmente seus parceiros (as) durante a noite. Por isso, o transtorno pode vir acompanhado de dificuldades de relacionamento com o companheiro (a) e sentimentos de constrangimento, medo e culpa”, afirma.

Com base em todos os relatórios médicos, o especialista dos EUA esclarece que a sexsônia tem duas causas mais comuns. “A parassonia de sono não REM, quando os pacientes têm uma história anterior com sonambulismo, terrores do sono, alimentação relacionada ao sono, conversa no sono, e felizmente, na maioria dos casos, a terapia padrão com clonazepam (Rivotril no Brasil), tomada na hora de dormir - pode controlar o problema. E a apneia obstrutiva do sono (ronco e retenção de respiração) - a história da sexsônia correlaciona-se com a de ronco e apneias, e após o diagnóstico da SAOS no laboratório de sono, a terapia com uma máscara CPAP nasal (pressão positiva contínua na via aérea) irá controlar os dois distúrbios do sono”.

O diagnóstico é feito a partir de uma entrevista e exame clínicos detalhados, seguindo a avaliação laboratorial do sono durante a noite (vídeo- -polissonografia, em que o EEG - ondas cerebrais - atividade muscular, respiração, atividade cardíaca e movimentos oculares são monitorados continuamente e em “sincronização com tempo limitado”, com a gravação contínua de áudio-vídeo. Dr. Schenck lembra que em contextos médico - legais, como acusações de estupro e sexo com menores de idade, o que muitas vezes é crucial para estabelecer o sono (e não culpabilidade) como o estado do sexo noturno é o testemunho de ex - esposas ou namoradas.

Para finalizar, o psiquiatra enfatiza que “existem casos de sexsônia em mulheres e em homens em que há masturbação vigorosa e violenta, causando lesões na vagina / clitóris e pênis, e então essas pessoas precisam de atenção médica”. Dra. Katie complementa que o problema pode ser subdiagnosticado pela falta de formação na área do sono, sendo que existem alternativas que suprimem com sucesso esses sintomas, como intervenção psicoterápica, farmacológica e tratamento de sono por especialistas.